LGBTs em defesa dos refugiados e das refugiadas.



Esta imagem pertence ao grupo Gays and Lesbians support the migrants.












O crescimento exponencial de refugiados no mundo não é um fenómeno isolado, mas uma consequência, uma grave consequência de investidas predatórias com o objectivo de exploração principalmente de combustíveis fósseis e controlo estratégico de certos territórios. Desde os finais dos anos 70 que o Médio Oriente é rotineiramente invadido pelos exércitos europeus e, especialmente, o americano, sob a premissa da muito heróica “guerra ao terror” da administração Bush que viu no 11 de Setembro de 2001 o seu melhor argumento. Hoje, tanto as vítimas do colonialismo e apartheid pós-colonial em África, como as de um novo colonialismo – a Palestina e a Síria, entre muitos outros – vivem desumanamente nas mãos dos grandes poderes do ocidente, e se estes poderes deliberadamente criam refugiados, devem ser obrigados, no mínimo e na pior das hipóteses, a acolhê-los. Mas para fugirem às consequências das suas belicosas invenções, viram o foco, não para os responsáveis – eles próprios -, mas para outras invenções, como a “sobrepopulação”, o “terrorismo islâmico” ,o extremismo religioso e até mesmo uma pretensa cruzada pela erradicação de certos “traços culturais não civilizados” como perseguição a homossexuais e mulheres. Usando, assim, as nossas lutas por emancipação como armas de arremesso racistas e xenófobas. Os protestos contra Wall Street, em 2011, demonstraram que é sabida e constatada a crescente acumulação de riqueza no chamado “1%”, que além de ignorar as condições de vida daqueles e daquelas que explora, ignora igualmente os impactos ambientais terríveis provenientes directamente da sua acção, seja na extracção do petróleo, na indústria de transformação e refinamento ou na agro-pecuária e utilização da exploração intensiva de solos e monoculturas. Ao colocarmos o problema na sobrepopulação,ou numa outra distracção qualquer, somos levados a acreditar que, para nos protegermos de uma eventual catástrofe ambiental, eco nómica ou social , devemos combater aqueles que fogem das catástrofes ambientais e guerras nos seus países, em vez de atribuirmos a culpa a quem de direito: os que fogem aos impostos, pagam míseros salários e poluem o planeta criando, assim, vários cenários de catástrofes sociais, económicas e ambientais por todo o mundo. Os argumentos xenófobos que categorizam aqueles que chegam como terroristas ou invasores que vem islamizar a Europa servem igualmente para aprofundar um sentimento anti-refugiados, abrindo espaço para saídas nacionalistas, racistas e abertamente fascistas nalguns países.

A retórica da sobrepopulação vingou em muitos aspectos da política moderna, seja em círculos liberais, seja na justificação da crescente extrema-direita, que se reorganiza em torno de linguagem criptofascista. Hoje, não encontramos o mesmo fascismo que se observou na primeira metade do século XX. Em vez de se assumir plenamente, esconde esta perigosa ideologia por trás de eufemismos como “race realist/critical” (“realista/crítico de raça”), criando uma fachada lógica/racional - ou melhor, “razoável” - distanciando-se, por um lado da imagem preconcebida do fascista com braçadeira de suástica e cabeça rapada, e por outro de uma esquerda raivosa, que grita futilmente contra as mil e uma opressões. A esquerda nunca soube responder a estas questões, sendo que a maioria continuou no caminho das investidas contra “o grande capital” sem conseguir relacionar com sucesso quer a não homogeneidade da classe trabalhadora quer o carácter sistémico das opressões por culpa directa de análises puramente economicistas do capitalismo; e os poderes parlamentares, ignorando ou instrumentalizando para capitalização de votos a contínua radicalização que acontecia à sua volta em torno e encabeçado por sectores oprimidos.

Face à realidade moderna – uma realidade pautada pelas necessidades do 1%, do crescimento de discursos de ódio e da manipulação de demandas emancipatórias – as esquerdas estão obrigadas a descer da torre de marfim e exigir muito mais mais que representatividade, ainda que esta cumpra um papel importante. As esquerdas portuguesas devem exigir medidas concretas e orçamentadas como o não estabelecimento de quotas para aceitação de refugiadas e refugiados bem como legalização dessas pessoas, inclusão no mercado de trabalho, fim dos campos de concentração e maior atenção às necessidades de refugiadas mulheres e LGBT com o objectivo de proteger das eventuais violências. A nós, sectores organizados de pessoas LGBT cabe a responsabilidade de compreender e desmascarar as tentativas de manipulação das nossas lutas exigindo que não nos usem como testa de ferro para financiar investidas contra os povos do Médio Oriente, como já é de praxe na relação íntima entre a EU e o estado genocida de Israel. A nossa luta é também para parar o plano de Portugal de ter até 2024, 2% do PIB direccionado para a defesa (NATO) e, consequentemente, financiamento da criação de refugiadas e refugiados.

A narrativa dos imigrantes invasores não passa de uma distracção radicalizante, considerando que esta lógica dos invasores não é aplicada às repetidas invasões ao Médio Oriente sob premissas de uma imaginada "guerra ao terror." Somos levados a acreditar que pessoas racializadas (enquanto "terroristas, misóginos violentos e homofóbicos incuráveis") chegam para invadir a sociedade europeia, teoria que é importada para contextos neonazi, onde se argumenta a dominação do mundo pelos judeus, que pretendem exterminar a raça branca no absurdo "genocídio branco." A esquerda deve responder a este tipo de discurso, em vez de endereçar as suas críticas apenas aos governos neoliberais, que, aliás, se interessam em dar uma plataforma ao mesmo, em nome da “liberdade de expressão”, isto é, a liberdade de não sofrer quaisquer consequências pelas acções que perpetuamos. A esquerda deverá assumir a sua responsabilidade e ser corajosa o suficiente para denunciar os dois projectos de Europa– o neoliberal, de continuidade da austeridade, de renúncia dos refugiados mas com algumas políticas de assistencialismo que nada fazem para ajudar as populações refugiadas; e outro abertamente nacionalista, racista e xenófoba, que ataca violentamente quem procura asilo e que defende, no final de contas, uma Europa de e para os “europeus”. Um diz um esfola e o outro diga mata. Ambos os projectos que não servem nem aos refugiados nem a quem vive nestes territórios e não podem ter o nosso apoio.

Os sectores organizados de pessoas LGBT de esquerda devem construir uma ampla mobilização, assente na solidariedade, no desmantelamento dos discursos racistas, xenófobos, machistas e lgbtqfóbicos e na luta contra estes fenómenos. A luta deve agregar todas/os que se revoltam contra o capitalismo e contra a sua expressão mais bárbara que são as organizações de extrema-direita, uma luta interseccional, dos 99%, que alargue os horizontes para além desta Europa fortaleza, irresponsável e contra o capitalismo mundial, em suma : em defesa dos interesses das trabalhadoras e dos trabalhadores. 

JL e BG


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